Córtex em construção: o que pais precisam saber sobre cannabis e adolescência

  • Redação
Atualizado: 31 maio, 2025 13:14
<p>Há algo profundamente delicado em acompanhar o florescer de um filho na adolescência. É como observar uma ponte sendo construída entre a infância e a vida adulta, tijolo por tijolo, em meio a ventos fortes, instabilidades emocionais, buscas por identidade e, muitas vezes, riscos invisíveis.&nbsp;</p><p><br>Nesse cenário, a cannabis pode parecer, para muitos jovens, apenas mais um experimento de liberdade. Já para os pais, uma preocupação além, visto que, o acesso a vaporizadores, narguiles e tabacos, mesmo ilugal, está a um passo de distância. Mas, sob o olhar atento da neurociência, esse experimento traz implicações sérias para o cérebro ainda em formação.</p><p><br>&nbsp;</p><figure class="image image_resized" style="width:50%;"><img alt="josé diogo.jpg" src="https://sechat-images.s3.amazonaws.com/jose_diogo_14f10b3e57.jpg" srcset="https://sechat-images.s3.amazonaws.com/thumbnail_jose_diogo_14f10b3e57.jpg 128w, https://sechat-images.s3.amazonaws.com/small_jose_diogo_14f10b3e57.jpg 411w, https://sechat-images.s3.amazonaws.com/medium_jose_diogo_14f10b3e57.jpg 617w, https://sechat-images.s3.amazonaws.com/large_jose_diogo_14f10b3e57.jpg 822w" sizes="100vw" width="822"><figcaption>Especialista da USP, Dr. José Diogo Ribeiro de Souza acredita que o diálogo é o melhor caminho sobre cannabis na adolescência | Divulgação</figcaption></figure><p>O psiquiatra e neurocientista José Diogo Ribeiro de Souza, doutor pela USP de Ribeirão Preto e especialista em canabinoides com mais de uma década de experiência em pesquisas clínicas, lança luz sobre esse tema com sensibilidade e firmeza.&nbsp;</p><p><br>Ele nos convida a entender o que está realmente em jogo quando adolescentes têm contato precoce com a cannabis e como pais e mães podem agir com orientação, presença e afeto, sem julgamentos.</p><h3><br>O cérebro adolescente: um projeto em pleno andamento</h3><p><br>“O córtex pré-frontal é como o maestro do cérebro”, explica o neurocientista. Ele é responsável por decisões, planejamento, autocontrole e regulação emocional, justamente aquelas habilidades que parecem estar “carregando” na adolescência. E não é por acaso: essa é uma das últimas áreas a amadurecer, passando por um processo sofisticado de poda sináptica e reorganização de conexões neurais.</p><p><br>Durante essa fase, o cérebro é altamente plástico, ou seja, moldado pelas experiências e pelo ambiente. Mas essa plasticidade também o torna vulnerável. “A exposição precoce ao THC, principal componente psicoativo da cannabis, pode interferir na maturação cerebral, desorganizando funções importantes”, alerta o especialista.&nbsp;</p><p><br>Estudos de neuroimagem mostram, inclusive, que adolescentes usuários frequentes podem apresentar redução do volume do córtex pré-frontal e alterações em sua conectividade, o que se reflete em impulsividade, dificuldades cognitivas e até riscos psiquiátricos.</p><h2><br>Um sistema em desequilíbrio: os impactos da cannabis no cérebro em formação</h2><p><br>O sistema endocanabinoide, regulador natural do nosso organismo, é central no desenvolvimento cerebral. Ele atua na formação das sinapses, no equilíbrio entre neurotransmissores e na arquitetura emocional do jovem. “Quando o THC ativa artificialmente esse sistema, ele pode desequilibrar esse processo, afetando o córtex pré-frontal, o hipocampo e o sistema límbico”, explica José Diogo.</p><p><br>Segundo o médico, essas alterações não são apenas teóricas, elas estão ligadas a déficits de atenção, memória, controle inibitório e ao aumento da vulnerabilidade a transtornos como ansiedade e psicose. “O risco é maior em quem tem predisposição genética, histórico familiar ou começa a usar precocemente produtos com alta concentração de THC”, reforça.</p><h3><br>Efeitos reversíveis? Depende.</h3><p><br>A esperança de reversão existe, mas não é universal. Em casos de uso leve e interrompido precocemente, pode haver recuperação parcial das funções cognitivas.&nbsp;</p><p><br>Já em situações de uso prolongado e intenso durante os anos críticos do desenvolvimento, os efeitos tendem a ser mais persistentes. “É comum, na prática clínica, vermos jovens com funcionamento semelhante ao TDAH após anos de uso”, observa o especialista.</p><h2><br>Recreativo x terapêutico: distinções fundamentais</h2><p><br>Muitos pais se perguntam: se a cannabis pode ser remédio, por que não pode ser usada livremente? José Diogo responde com clareza: “o uso medicinal é orientado por protocolos, com predominância de CBD e baixa concentração de THC, indicado apenas em situações específicas como epilepsias resistentes ou autismo com sintomas graves. Já o uso recreativo, especialmente sem controle de dose e frequência, não é uma prática neutra e pode trazer consequências importantes”.</p><p><br>É justamente essa diferença que deve ser comunicada com responsabilidade. A ciência, segundo ele, não serve para alarmar, mas para oferecer dados claros que ajudem pais e filhos a tomar decisões mais conscientes.</p><h3><br>Cannabis x Adolescência: falar com ciência, mas também com afeto</h3><p><br>A pergunta que paira é: como educar sobre isso? Como proteger sem sufocar, como orientar sem gerar culpa? Para o neurocientista, a chave está na educação contínua, acessível e livre de estigmas. “Políticas públicas precisam abordar neurodesenvolvimento e saúde mental com profundidade nas escolas, capacitar profissionais da saúde e da educação, e promover redes de apoio familiar”, diz.</p><p><br>Mais do que discursos proibicionistas ou permissivos, ele propõe construir diálogo. “É preciso que os adolescentes entendam como o cérebro deles funciona e como o uso de cannabis pode interferir nesse funcionamento. Não como ameaça, mas como informação que empodera”.</p><h2><br>Cannabis na adolescência: um chamado para mães e pais, mais presença e menos julgamento</h2><p><br>No fim das contas, a ciência pode ser o farol, mas o porto seguro ainda são os pais, mães e cuidadores atentos. A adolescência é, por natureza, um campo de testes. E o uso da cannabis pode ser apenas mais um deles. Mas quando há orientação segura, conversa franca e amor incondicional, é possível atravessar esse mar com menos riscos.</p><p><br>A mensagem do doutor José Diogo Ribeiro de Souza é clara: o uso da cannabis na adolescência não é isento de consequências e a proteção começa com informação, mas se fortalece com o vínculo. “Informar é proteger. E proteger não é interditar indiscriminadamente, mas abrir caminhos para escolhas mais conscientes, com base na melhor ciência disponível”, pontua o especialista.</p><p><br>Que pais e mães possam seguir construindo essas pontes com escuta, paciência e presença amorosa, porque o cérebro amadurece, mas o afeto é o que dá forma ao mundo.<br>&nbsp;</p>
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