Eleições e maconha: escutando as ruas e seguindo a fumaça na campanha eleitoral
- Redação
Reflexões sobre a pauta das drogas no contexto das eleições municipais
Por Monique Prado

No dia 03/09 houve um evento na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), denominado “Debate sobre a descriminalização da maconha”. Entre os participantes estava Ronaldo Laranjeira, psiquiatra com opiniões questionáveis sobre o consumo de drogas, e com uma visão discrepante sobre o tema. Presenciei apenas uma parte das palestras da tarde, com outros debatedores.
A experiência foi singular. Logo de início, o segurança que inspecionava o raio x da minha bolsa, identificou um dichavador. Solicitou que eu o ocultasse fora da escola para recuperá-lo posteriormente. A situação parecia um tanto cômica, ainda que real.
Muitas reflexões surgiram após esse incidente, especialmente a ironia de vivenciar tal situação em um evento sobre a descriminalização da maconha. Afinal, para que pensaram que eu usaria aquele dichavador? Até seria tentador, admito... O recado foi claro e as falas mantinham um viés proibicionista.
Pude confrontar um pouco as opiniões de alguns participantes que defendiam o uso de helicópteros pela polícia durante operações. Essa visão foi compartilhada por uma promotora, uma juíza, um desembargador e um delegado. Indivíduos influentes, que impactam a vida de outros, mas que muitas vezes estão desconectados das realidades cotidianas. A aristocracia continua a julgar e sentenciar o povo, sem compreender suas reais necessidades e desafios. Em momentos como esse, percebemos a diferença da cultura jurídica em comparação com outros lugares, onde os juízes não desfrutam dos mesmos privilégios e salários.
Eleições, a maconha e as ruas
Contudo, o contato com a população nas ruas é revelador. Distribuir panfletos de uma candidata que abraça causas progressistas como a regulamentação do aborto, o feminismo e o antiproibicionismo, proporciona experiências únicas e enriquecedoras. É admirável como o símbolo da folha de maconha é bem recebido pelas pessoas, gerando diálogos e conexões profundas, que nenhuma outra bandeira desperta. Conforme um colega de panfletagem disse: “ninguém se importa com questões culturais, apenas com a maconha”.
A cannabis une indivíduos de diversas realidades, transcendendo barreiras sociais. Se alguém é usuário, logo se identifica com outros. A simples presença do símbolo da maconha estimula conversas e até mesmo o uso de adesivos com essa imagem. A panfletagem noturna propicia esse encontro e a oportunidade de dialogar mais profundamente, algo que outras bandeiras não permitem. É fascinante observar como os entusiastas da cannabis apreciam viver intensamente, apreciar boa música e desfrutar de boas companhias.
São pessoas insatisfeitas com a hipocrisia e desordem social vigente, revoltadas com os efeitos da proibição das drogas nas comunidades marginalizadas. Transcendem as normas opressoras e buscam uma nova perspectiva. É uma pequena amostra da realidade, complexa e multifacetada.
Entretanto, abordar questões políticas mais amplas, para além do debate sobre drogas, tem sido desafiador. A apatia e descrença, especialmente dos jovens, refletem a alienação e desinteresse pela política. É decepcionante perceber a juventude distante do processo decisório, justamente aqueles em quem depositamos nossa esperança de transformação.
Há também os extremistas. Uma sensação de apreensão diante desses indivíduos, imprevisíveis, alienados e agressivos. A violência física, infelizmente, tem sido uma realidade para alguns ativistas durante essa campanha. Prefiro não comentar sobre os mal-educados. Portanto, antes de sair, é reconfortante anestesiar-se um pouco. Especialmente para evitar conflitos.
O assédio, por sua vez, sutil no início, revela a faceta machista da sociedade. O conservadorismo usa desse artifício de forma estratégica. Durante uma panfletagem, observei um grupo de mulheres atraentes, contratadas por um candidato de direita, atuando de forma incisiva. Esse contraste com campanhas anteriores denota a disparidade de recursos disponíveis para cada lado.
Não basta votar em defensores do antiproibicionismo, é necessário engajar-se diariamente
É admirável ver maconheiros apoiando outros maconheiros, e defensores da causa reconhecendo uns aos outros. Contudo, essa prática não é suficiente. Precisamos nos apropriar da esfera política em sua totalidade. Vivemos em um sistema exaustivo, que drena nossa energia, rouba nosso tempo e nos aliena de soluções reais. Portanto, é fundamental perceber que focar apenas na questão da maconha não é o caminho, da mesma forma que votar não deve ser encarado como o único ato cívico que podemos realizar.
Devemos nos envolver com a política do dia a dia, nas conversas no transporte público, nas filas de espera, nas escolhas do consumo, na alimentação e na participação em movimentos sociais. É nesses espaços que a verdadeira mudança acontece. Especialmente em um cenário onde a maconha se tornou um produto lucrativo, gerando novas oportunidades de exploração econômica.
Portanto, votar em apoiadores do bem-estar social, que defendam o acesso democrático aos benefícios da cannabis, lutem por serviços públicos de qualidade e promovam o uso terapêutico pelo SUS, é essencial. A “reforma” é crucial, por mais performática que possa parecer, é imprescindível estarmos presentes nesses espaços. Conviver com vereadores que dialogam e apoiam movimentos sociais é fundamental para todas as lutas, uma vez que ali reside grande poder. E precisamos utilizá-lo em prol de causas nobres.
Foi nesse ambiente que vi projetos pelos quais lutei se tornarem leis, participei da Comissão da Cannabis na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, contribuí na homenagem a associações de pacientes e coletivos antiproibicionistas, além de reconhecer o neurocientista Sidarta Ribeiro com a medalha Pedro Ernesto por sua atuação. Essas ações simbólicas destacam a importância da causa e a necessidade de respeito perante a sociedade.
Eleger aliados confiáveis é crucial, uma vez que representamos minorias, e poucos compartilham de nossas ideias. A descrença reflete-se nos votos nulos e na eleição de candidatos hostis aos mais vulneráveis. Um projeto político enraizado há anos, visando perpetuar violências e privilégios.
A violência nas proximidades das favelas, que interrompe aulas, é fruto de escolhas políticas calculadas. Recomendo a leitura das pesquisas enfatizadas no evento, como o projeto “Drogas quanto custa proibir”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Os números exorbitantes gastos com segurança pública poderiam ser melhor distribuídos em áreas como a educação, visando minar o narcotráfico e promover um ambiente mais seguro.
Portanto, conheça as propostas dos candidatos em seu município, pois os vereadores têm papel relevante no bem-estar da comunidade, além de legislar sobre o uso medicinal da maconha. É fundamental eleger um conjunto coeso que represente seus ideais. A cannabis não é a solução para todos os problemas, é preciso abraçar um leque diversificado de pautas e lutar por um cenário mais justo e igualitário.
Dê atenção especial a propostas que defendam a educação pública de qualidade, combatam a privatização dos espaços coletivos e promovam a melhoria dos serviços públicos em geral. No âmbito da saúde mental, é imprescindível posicionar-se contra a internação compulsória, a fim de resguardar os direitos dos usuários. Esteja atento às políticas sociais e participe ativamente de movimentos que promovam a verdadeira mudança. Maconheiros, unam-se!
Fonte: Cannabis Monitor.
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