Evitar a dor é evitar a vida
- Redação
Permita-se sentir o que você precisa

Permita-se sentir o que você precisa
Costumava ser daqueles que achava que chorar não adianta em nada. Se surgir um problema, era hora de ser forte! Encarar de frente, resolver!
Imagina só que ali não tinha espaço para sentir nada.
Vivi a angústia e a ansiedade de tentar evitar sentimentos como tristeza e raiva por anos, até descobrir recentemente que é válido chorar pelo leite derramado.
Com dificuldade, percebi que está tudo bem e que é fundamental sentir tristeza, raiva, além de frustração, impotência, medo, culpa. Não é agradável? Claro que não. Mas é parte da vida.
Fibromialgia e o comportamento de evitação
Bom, e como isso se relaciona com a fibromialgia?
Dentro do contexto da dor crônica, é comum falar sobre o “comportamento de evitação”. Isso significa que pessoas que lidam com dor persistente tendem a evitar movimentos, atividades ou situações que acreditam poder aumentar sua dor e, consequentemente, seu sofrimento.
Mas essa evitação vai além do físico. Na dimensão psicológica, a questão começa a se tornar mais delicada.
Evitar emocionalmente envolve tentar reprimir ou ignorar emoções, pensamentos ou memórias que parecem difíceis de lidar. Na prática, a pessoa pode tentar não se permitir sentir emoções negativas; evitar enfrentar, falar ou processar o sofrimento emocional associado à dor; ignorar ou minimizar a importância dessas emoções; ou tentar racionalizar a dor emocional para não senti-la por completo.
Porém, emoções e sensações estão aí para serem vividas e, ao fugir delas, corremos o risco não só de nos tornarmos bombas-relógio prestes a explodir, mas também de nos desconectarmos de nós mesmos e passarmos a evitar não só a dor, mas a própria vida.
Aprendendo a acolher a dor
Tenho acompanhado a jornada da minha irmã com dor crônica nos últimos dois anos e tenho aprendido muito.
Assim como eu, ela também tem dificuldade em se permitir sentir. Aliás, essa é uma questão bem presente na nossa família.
Conversamos sobre a importância de chorar pelo leite derramado. Juntas, choramos a morte da nossa avó. Ela compartilhou que, através desse processo de luto, compreendeu que chorar não resolve o problema, mas e daí? Não é para isso que choramos. Choramos, simplesmente. Porque sentimos. Porque estamos vivos. Porque somos humanos.
Reprimir (ou tentar reprimir) a dor e as emoções é um esforço mental exaustivo e improdutivo. Em vez de investir energia em hábitos que nos fazem bem, acabamos gastando o pouco que nos resta tentando nos distanciar de algo inevitável.
Esse é um dos temas que explorei bastante na Terapia de Aceitação e Compromisso, uma abordagem dentro da linha cognitivo-comportamental altamente recomendada para casos de dor crônica.
O mais fascinante é que, de maneira um pouco contraintuitiva, quando damos espaço para sentir a dor, ela tende a perder um pouco de sua intensidade.
Prevenir, pois remediar não é possível
Durante o Setembro Amarelo, buscamos sensibilizar sobre transtornos mentais e a prevenção do suicídio. Pessoas com fibromialgia têm até 10,5 vezes mais chances de cometer suicídio do que a população em geral, e 3,3 vezes mais do que outros pacientes com dor crônica.
Esse é o foco do meu pós-doutorado atual e tenho me deparado com dados bastante impactantes. A fibromialgia não é só uma síndrome complexa, mas também uma condição de saúde delicada que, se não for acolhida e tratada corretamente, pode levar a desfechos trágicos.
Sentir é crucial, porém necessitamos de apoio, de uma rede. Alguém que seja capaz de olhar nos nossos olhos e dizer: eu estou aqui por você. Eu vejo você. Muitas vezes, também precisamos do suporte de profissionais para aprender a lidar com nossas emoções.
Neste mês, vamos reconhecer e validar os sofrimentos que não são facilmente visíveis e estabelecer a base para que a vida possa seguir seu curso – lembrando sempre que a saúde mental não diz respeito apenas à fisiologia, mas também à cultura, à condição social e racial em que estamos inseridos. Lutemos, portanto, por acesso a cuidados e tratamentos psicológicos e psiquiátricos para todos.
Ofereça ajuda sempre que possível. Busque ajuda sempre que necessário. O Setembro Amarelo é um momento que nos envolve a todos.
Referências:
- Dreyer L et al. Mortalidade em uma coorte de pacientes dinamarqueses com fibromialgia: aumento da frequência de suicídio. Arthritis & Rheumatology. 2010;62(10):3101–3108.
- Wolfe F et al. Mortalidade na fibromialgia: um estudo com 8.186 pacientes ao longo de trinta e cinco anos. Arthritis Care Res (Hoboken). 2011;63(1):94-101.
Fonte: Cannalize.
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