Oportunidade do futuro: lacuna na medicina devido ao desconhecimento dos médicos sobre o sistema endocanabinoide
- Redação

Apesar de vital para o organismo humano, o sistema endocanabinoide ainda é amplamente desconhecido por muitos médicos. A trajetória da cannabis ao longo da história é tão rica quanto às suas propriedades medicinais e industriais. Na China, por volta de 2.700 aC, o livro Pen Ts'ao, considerado a primeira farmacopeia do mundo, já documentava o valor terapêutico da planta. Durante séculos, a cannabis também foi amplamente utilizada na fabricação de tecidos, cordas e até em rituais religiosos. No início do século XX, porém, os Estados Unidos começaram a mudar sua postura em relação à planta. Em 1930, a criação do Departamento Federal de Narcóticos deu início a uma campanha de desinformação contra a cannabis. A divisão criada para combater o uso de cocaína e ópio, acabou incluindo a cannabis na lista de substâncias proibidas. No Brasil, a Lei do Pito do Pango de 1830 penalizou desproporcionalmente os negros escravizados que consumiam cannabis, refletindo o forte preconceito racial da época. O preconceito e a desinformação não ultrapassam a barreira dos problemas sociais. Especificamente, a falta de conhecimento sobre o sistema endocanabinoide tem impactado diretamente a formação médica no Brasil. Até recentemente, nenhuma universidade oferecia disciplinas específicas sobre o tema. Em 2023, a Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo, trouxe um marco significativo para a educação médica com o lançamento da disciplina de Endocanabinologia. Idealizado pelo renomado neuropediatra Rubens Wajnzstejn, esta iniciativa pioneira foi aceita pela reitoria da universidade, solidificando assim a relevância da pesquisa e do estudo da cannabis na medicina contemporânea. Flávio Geraldes, um dos colaboradores e professores da disciplina, expressou entusiasmo. 'Representa um avanço significativo na compreensão das aplicações médicas da cannabis. É uma oportunidade pioneira de se ensinar o Sistema Endocanabinoide aos alunos'. O neurocirurgião Pedro Pierro, diretor-científico da Sechat e colaborador da disciplina, reforça a importância desse estudo acadêmico. “A aprovação da disciplina foi facilitada pela vasta quantidade de estudos e eventos relacionados à cannabis que já foram realizados na Faculdade de Medicina do ABC, proporcionando uma base sólida para a inclusão na série curricular”, ressaltou o médico em entrevista ao Sechat na época. A medicina canabinoide surge como um campo promissor para profissionais que buscam inovação e conhecimento aprofundado sobre o sistema endocanabinoide, ainda pouco abordado na formação médica tradicional. Segundo a geriatra Gabriela Mânica, 'a lacuna no conhecimento médico sobre o sistema endocanabinoide representa, sem dúvida, uma grande oportunidade para os profissionais que se dedicam à medicina canabinoide'. 'Esse sistema é fundamental para a homeostase do organismo, regulando funções como a dor, a inflamação, o sono, o humor e a memória, mas ainda é pouco abordado na formação médica tradicional. Com a crescente evidência científica sobre os benefícios terapêuticos dos canabinoides, os médicos que se especializarem nessa área estarão à frente, não apenas no tratamento de diversas condições, mas também na orientação de outros profissionais e na construção de um novo paradigma na prática clínica', explica. O Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, que chega à sua 4ª edição em 2025, desempenha um papel fundamental na educação canábica no Brasil. Reunindo especialistas, pesquisadores e profissionais de saúde, o evento promove debates sobre os avanços científicos, desafios regulatórios e oportunidades no mercado da cannabis medicinal. Com uma programação robusta, o congresso contribui para a capacitação de médicos e farmacêuticos, além de ampliar o acesso à informação qualificada sobre tratamentos e novas aplicações terapêuticas da planta. A advogada Ana Rossi, que atua no mercado de cannabis medicinal, destaca a relevância da educação canábica para reduzir o estigma e ampliar o conhecimento sobre o tema. 'Considero a educação a respeito do tema de extrema relevância... A falta de conhecimento entre os médicos se reflete nos números de prescrição. Segundo dados da Close-Up International de 2024, apenas 48 mil médicos prescrevem produtos à base de cannabis no Brasil, um número reduzido considerando o total de aproximadamente 575 mil profissionais ativos na área, sendo cerca 270 mil prescrições para a aquisição dos produtos nas farmácias. A educação sobre cannabis medicinal pode ajudar a reduzir o estigma em torno do seu uso no Brasil. Para muitos profissionais da saúde, a falta de formação acadêmica sobre o tema representa um grande desafio. A ampliação do conhecimento científico sobre o sistema endocanabinoide é essencial para que médicos e pacientes possam tomar decisões mais informadas sobre os tratamentos com compostos da cannabis. As escolas e universidades desempenham um papel crucial na difusão do conhecimento sobre cannabis e seus usos medicinais. Além da criação de disciplinas específicas, a divulgação científica e o investimento em pesquisas são essenciais para consolidar a cannabis como uma alternativa terapêutica viável. A desinformação gera desconfiança e dificulta a adesão a terapias baseadas em cannabis. Por isso, é essencial que profissionais de saúde e a população em geral tenham acesso a informações confiáveis sobre o tema, garantindo que os pacientes busquem produtos regulamentados e certificados para seus tratamentos. 'Desafios que persistem' A falta de programas educacionais sobre cannabis medicinal ainda limita o acesso dos pacientes aos tratamentos disponíveis no país. Juliana Komel, co-CEO da Alko do Brasil, destaca que a disseminação do conhecimento científico é fundamental para reduzir o estigma e capacitar profissionais de saúde. 'O papel da educação na quebra de paradigmas' Formada em farmácia, Juliana conta que sua curiosidade pela cannabis surgiu na universidade, quando percebeu a ausência do tema nas aulas de plantas medicinais. No Brasil, a farmacêutica buscou se especializar para levar o tema à empresa onde atua, que hoje desenvolve um projeto voltado ao setor. Para ela, a educação sobre cannabis medicinal precisa abranger todo o ecossistema – desde as pesquisas científicas até a prescrição e dispensação – para garantir informação de qualidade e reduzir o estigma cultural. A falta de conhecimento entre profissionais de saúde é um dos principais desafios do setor. 'Resumidamente, é preciso ter informação de qualidade oriunda das pesquisas científicas para que os profissionais de saúde estejam aptos a prescrever e amparar os pacientes diante dos diversos tipos de tratamento onde seja possível utilizar a cannabis', explica Juliana. 'O papel das universidades na difusão do conhecimento' Para Juliana, as instituições de ensino têm um papel central na construção de uma base científica sólida sobre a cannabis. 'Eu vejo que o tripé das universidades é baseado em: pesquisa, difusão e extensão. E a meu ver esses são fundamentos inseparáveis', argumenta. Apesar dos desafios, a farmacêutica vê oportunidades de avanço. 'Felizmente a produção científica está em alta, e várias instituições de renome já estão com cursos relevantes do segmento, inclusive a título de pós-graduação. É fato que ainda encontramos muitos desafios a serem vencidos, mas vejo que é uma grande oportunidade de esclarecimento sobre o tema, e ao final, o importante é que os pacientes sejam beneficiados com um tratamento natural que a cannabis pode promover', conclui.
Fonte: Sechat.
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